sexta-feira, 8 de maio de 2015

A MORTE NA POESIA DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE E DE MANUEL BANDEIRA: UMA ANÁLISE DESCRITIVA E COMPARATIVA.

A MORTE NA POESIA DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE E DE MANUEL BANDEIRA: UMA ANÁLISE DESCRITIVA E COMPARATIVA.
                                                                                                  
                                                                                             Claudio de Lima*
  
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo analisar e comparar com atenção especial para “a morte” na poesia “Desesperança” de Manoel Bandeira, publicado na obra “Cinza das Horas” em 1917 e “A morte do leiteiro” de Carlos Drummond de Andrade, publicado na obra A rosa do povo em 1945. Esta análise dos poemas será feita, observando-se, a partir de elementos formais e temáticos, os aspectos que remetem à reflexão da existência humana e alguns aspectos pessoais referentes a cada autor; levará em consideração as características de como cada autor aborda o tema, se objetivamente ou se subjetivamente. O desenvolvimento da análise consistirá de uma breve biografia dos autores, observação dentro de parâmetros de concepção analíticas dos críticos literários, Alfredo Bosi, Antônio Candido e Sérgio Buarque de Holanda, nas temáticas em epígrafe. Nessa perspectiva também observaremos os contextos sociais da época da produção dos referidos textos, fazendo as análises necessárias numa perspectiva comparativa e descritiva, levando em consideração os aspectos particulares dos autores em relação ao contexto social ao qual cada um estava inserido e a forma de ver o mundo por cada um deles ao longo de suas carreiras,.

PALAVRAS-CHAVE: Morte, subjetividade, objetividade, social.

* Universidade Federal do Rio Grande do Norte
   Graduando do curso de Letras – Português
  
1 - INTRODUÇÃO

Para um melhor entendimento a cerca do trabalho desenvolvido, apresentaremos a seguir a biografia dos autores Carlos Drummond de Andrade e Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho e contextualizá-los-emos no cenário literário modernista brasileiro:

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

Nasceu em Minas Gerais, numa cidade cuja memória viria a permear parte de sua obra, Itabira. Seus antepassados, tanto do lado materno como paterno, pertencem a famílias de há muito tempo estabelecidas no Brasil. Posteriormente, foi estudar em Belo Horizonte, no Colégio Arnaldo, e em Nova Friburgo com os jesuítas no Colégio Anchieta. Formado em farmácia pela Universidade Federal de Minas Gerais, com Emílio Moura e outros companheiros, fundou "A Revista", para divulgar o modernismo no Brasil.
Em 1925, casou-se com Dolores Dutra de Morais, com quem teve dois filhos, Carlos Flávio, que viveu apenas meia hora (e a quem é dedicado o poema "O que viveu meia hora", presente em Poesia completa, Ed. Nova Aguilar, 2002), e Maria Julieta Drummond de Andrade.
No mesmo ano em que publica a primeira obra poética, "Alguma poesia" (1930), o seu poema Sentimental é declamado na conferência "Poesia Moderníssima do Brasil", feita no curso de férias da Faculdade de Letras de Coimbra, pelo professor da Cadeira de Estudos Brasileiros, Dr. Manoel de Souza Pinto, no contexto da política de difusão da literatura brasileira nas Universidades Portuguesas. Durante a maior parte da vida, Drummond foi funcionário público, embora tenha começado a escrever cedo e prosseguindo até seu falecimento, que se deu em 1987 no Rio de Janeiro, doze dias após a morte de sua filha. Além de poesia, produziu livros infantiscontos e crônicas. Em 1987, meses antes de sua morte, a escola de samba Mangueira o homenageou no Carnaval com o enredo "O Reino das Palavras", sagrando-se campeã do Carnaval Carioca naquele ano.

"A obra de Drummond alcança um coeficiente de solidão, que o desprende do próprio solo da História, levando o leitor a uma atitude livre de referências, ou de marcas ideológicas, ou prospectivas" (BOSI, 1994)
”O sentimento, os acontecimentos, o espetáculo material e espiritual do mundo são tratados como se o poeta limitasse a registrá-lo, embora faça da maneira anticonvencional preconizada pelo modernismo”. É assim que Antônio Cândido observa os traços poéticos presentes na escrita de Carlos Drummond de Andrade. Podemos observar três momentos da poética de Drummond: o primeiro momento, denominada de fase irônica ou fase EU > MUNDO; o segundo momento, denominada de fase social ou fase EU <MUNDO; e o terceiro momento, denominada de fase metafísica ou de fase EU=MUNDO. É nesse contexto conflituoso que Drummond escreve suas poesias que refletem essa agitação do ser em relação ao cenário social, uma inquietude que transpassa a barreira do indivíduo e o meio onde ele está inserido, atingindo o produto do autor: a arte. A poesia de Drummond é um retrato do seu descontentamento com o mundo, como eu e com as relações do mundo e do eu. É possível, então, observar esses conflitos refletidos nas poesias do autor, que reflete os momentos de valoração pessoal, quer seja no momento de egocentrismo (1ª fase, irônica), no momento social (2ª fase, do eu) ou no momento de equilíbrio (3ª fase, metafísica), sóbria. Uma fase que surge com o advento da maturidade, onde o ser crítico já está carregado de subjetividade e experiências de mundo.


MANUEL CARNEIRO DE SOUSA BANDEIRA FILHO (MANUEL BANDEIRA)

Filho do engenheiro Manuel Carneiro de Sousa Bandeira e de sua esposa Francelina Ribeiro, era neto paterno de Antônio Herculano de Sousa Bandeira, advogado, professor da Faculdade de Direito do Recife e deputado geral na 12ª legislatura. Tendo dois tios reconhecidamente importantes, sendo um, João Carneiro de Sousa Bandeira, que foi advogado, professor de Direito e membro da Academia Brasileira de Letras e o outro, Antônio Herculano de Sousa Bandeira Filho, que era o irmão mais velho de seu pai e foi advogado, procurador da coroa, autor de expressiva obra jurídica e foi também Presidente das Províncias da Paraíba e de Mato Grosso. Seu avô materno era Antônio José da Costa Ribeiro, advogado e político, deputado geral na 17ª legislatura. Costa Ribeiro era o avô citado em Invocação do Mal. Sua casa na rua da União é referida no poema como "a casa de meu avô".
Esteve em 1912 na Suíça (Sanatório Clavadel), lá, entrou em contato com a melhor poesia simbolista e pós-simbolista em língua francesa, fonte da sua linguagem inicial, como atestam os livros Cinza das Horas e Carnaval. Fixando-se no Rio estreita amizades com alguns escritores, que como ele, passariam do ecletismo fin de siècle ao modernismo (Ronald de Carvalho, Álvaro Moreira, Ribeiro Couto, Graça Aranha, Tristão de Ataíde...) praticando o verso livre e a ironia crepuscular desde os primeiros versos, Manuel Bandeira foi naturalmente acolhido pelo grupo da semana como um irmão mais velho (tinha 36 anos em 1922) e houve que o chamasse “o João Batista do Movimento” ; por sua vez terá recebido do exemplo de Mário e Oswald de Andrade  um impulso para romper as amarras das sua formação intimista. É o que ocorrerá nos livros experimentais, escritos na fase heroica do modernismo: ritmo dissoluto e libertinagem. A Biografia de Bandeira é a história dos seus livros, viveu para as letras e, salvo os anos que lecionou português no Colégio `Pedro II e Literatura hispano-americana na Universidade do Brasil, dedicou-se exclusivamente  ao ofício de escrever: Cinza das Horas, 1917; Carnaval, 1919; Poesias (Incl. Ritmos Dissolutos), 1924; Libertinagem, 1930; Estrela da Manhã, 1936; Mafuá do Malungo, 1948; Opus 10, 1952; Estrela da Vida Inteira, 1966.
­­­­­Numa perspectiva literária Manuel Bandeira é visto como o percussor e referencial do movimento modernista que deu origem a semana de arte moderna de 1922. Com seu estilo simples e direto aborda temáticas cotidianas e universais, muitas vezes usando de um teor satírico recheado de formas e inspiração que a tradição academicista do início do século XX considerava vulgares. Nesse modelo estilístico, Manuel Bandeira rompe com as tradições literárias da época, desta feita buscando um fortalecimento do espirito nacionalista, ruptura com o passado e com os modelos e de artes anteriores: parnasianismo e o realismo,  que estava imbuído o movimento modernista.  
É ilusório, aliás, julgar que as preocupações técnicas sejam opressivas em suas obras. O lirismo de Manuel Bandeira não é produto de laboratório, mas vem, como toda verdadeira poesia, de fontes íntimas, exigindo, para realiza-se, condições que não se podem forjar arbitrariamente. Apenas é forçoso acentuar a simples a simples presença de tais preocupações e o papel que chegam a assumir em sua obra, surgida, não obstante os influxos simbolistas, após um contato assíduo com a venerável tradição lírica portuguesa. (CANDIDO, 1980)
É nessa perspectiva que a produção de Manuel Bandeira é caracterizada poeticamente e situada pela volta ao tempo de infância, centrado num olhar cotidiano e ao apego a dor e ao sofrimento.
Por fim, após nosso encontro com os autores e a escolha dos poemas, um de cada autor. Analisar-vos-emos numa perspectiva comparativa. Será analisada “a morte”, levando em consideração a forma que os autores abordam-nas, se objetivamente; se subjetivamente; se há um aspecto pessoal ou social envolvido. Para tais análises identificaremos nos textos os traços que estejam, objetiva ou subjetivamente, relacionados ao tema. Procuraremos evidenciar as semelhanças e diferenças entre os dois poetas, buscando destacar passagens e expressões que reforcem essa análise. Buscaremos aporte nos escritos de Antônio Candido, Alfredo Bosi e Sérgio Buarque de Holanda para que subsidiem nas análises aqui propostas.
2. – DESENVOLVIMENTO
2.1 - A MORTE NA POESIA “DESESPERANÇA” DE MANUEL BANDEIRA
A poesia “Desesperança” de Manoel Bandeira é carregada de subjetividade, o autor viaja através de um cenário nebuloso (em sua obra, o aspecto biográfico, marcado pela tragédia e tuberculose, é poderoso, constando até em obras nitidamente modernas, como Libertinagem. Há, ainda, a marca da melancolia, da paixão pela vida e das imagens brasileiras). É de fácil percepção, mesmo que pareça que “tudo é preparado para o momento decisivo, tudo posa como diante de um fotógrafo”. Todavia, “o mundo visível pode fornecer as imagens que hão de animar a sua poesia, mas essas imagens combinam-se, justapõe-se, de modo imprevisto, coordenado as vezes por uma faculdade intima cujo mecanismo pode escapar-nos. E escaparia, não raro ao próprio poeta”. (HOLANDA), Manuel Bandeira era um poeta que usava o cotidiano e todas as coisas simples da vida para compor a sua poesia:
“De tudo o que lhe propunha o modernismo foram, assim, as soluções mais nitidamente libertárias o que lhe apareceu corresponder, ao menos por algum tempo, à sua forma de expressão poética. Liberdade e objetividade tornaram-se termos rigorosamente correlatos. Manuel Bandeira jamais se deixou seduzir muito pelos estetismos, que constituem formas aristocráticas de reclusão, intoleráveis para que aspira vencer, através da poesia, sua própria reclusão e seu confinamento.”(HOLANDA, 1980, p. 149)
2.1.1 - Análise

Na primeira estrofe observamos a fraqueza e a tristeza desvendada através do texto, pois nesta estrofe o autor consegue ser metafórico e direto ao mesmo tempo, contudo ele consegue superlativar essa tristeza e angustia quando a compara ao crepúsculo cinza da manhã que chega, como se cada manhã o torna-se mais próximo da morte. As dores tomam o eu lírico carregado amargura, pois os pensamentos o maltrata pelo fato de pensar em cada pensamento, ele fecha a estrofe ainda enfatizando a dor, mas não somente a dor da alma que se revela pela possibilidade de um encurtamento de seus dias de vida, entretanto os versos nos evidenciam uma dor real que por ventura o maltrata fisicamente.  
È possível perceber na segunda estrofe a continuidade do ambiente de morte, mas não de uma morte que o toma naquele instante, contudo de uma morte que o cerca, que paira no ar: O silêncio é tão largo, é tão longo, é tão lento que dá medo. Talvez é possível sentir no ar o eu lírico gritando por socorro, pois a solidão parece o empurrar para mais próximo da morte. É no terceiro verso que se confirma tal expectativa de temor quando diz que no qr paira mal pressentimento.
Na estrofe três é bastante categórica a morte, tratada aqui como a vida que acaba, astro que apaga e configuração da esterilidade. A reflexão sobre a morte paira sobre a perspectiva metafórica da natureza que tem seu ciclo, ciclo que se completa com a esterilidade da morte, morte que esvazia todo o ser. Possível perceber a busca pelo esvaziamento do eu lírico que se faz através da libertação da alma posta sobre as linhas da “Desesperança” acrescida pela esterilidade da morte
Na estrofe quatro o eu lírico sente-se aprisionado e oprimido pelas dores que transpassa o limite do suportável, sente-se como se tivesse sendo consumido por algo sobrenatural, que por fim é revelada pela objetividade da palavra morte. A morte nesse contexto é algo que o autor tem que quase por certeza, haja vista, a tuberculose nesse período ser uma doença ainda sem tratamento eficaz, provavelmente essa incerteza quanto a continuidade de vida, o amedronte e o traga sobre ele a dor, a incerteza e a angustia retratada em cada verso.
 É possível, na quinta estrofe, sentir, pois é objetivamente descrito, a dor do eu lírico que se confunde às palavras do autor. Dentro desse contexto de sofrimento, subjetivo ou não, é que ele demonstra se incomodar com o sentido da vida, percebe quanto mais pensa em conhecer, mas desconhece-a.
Temos a sensação de que o eu lírico sente-se destoar do mundo em que está inserido. A dor que é demonstrada nas estrofes anteriores parece tomar uma dimensão para além do eu, que transpassa barreira do individual, começa ver a sua dor refletir-se no mundo, sente-se ainda como um estrangeiro: sente que sua estadia ali é passageira. É isso que sentimos expresso na sexta estrofe.
Na estrofe sete, observa na dimensão social um mundo opaco, monocromático, hostil. É nessa expectativa que o eu lírico define sua vida como sem finalidade, propósito ou objetivo, enfim, sem sentido. No ultimo verso, o eu lírico foca a sua desesperança: como dá sentido a uma vida que projeta longitude, continuidade.   

2.1.2 – Contexto geral

No contexto geral, observamos que a morte na poesia de Manuel Bandeira é algo que está mais próximo ao eu lírico ou mesmo ao poeta, que acometido de tuberculose, escreve essa poesia, que à época ainda não havia a comprovada eficácia de qualquer tratamento para tal enfermidade. Assim, sentimos a subjetiva presença da morte que o circunda, até por que “Sua poesia não quer ser um artefato. Exige a presença viva e permanente do autor, não apenas a sombra de uma inteligência eficaz; nisso denuncia bem sua lírica, no sentido pleno da palavra” (HOLANDA, p. 155).  Não poesia de Manuel Bandeira é possível a segundo Sérgio Buarque de Holanda, p.146, a representação clara quanto a própria transitoriedade e fugacidade da existência, é crendo nessa observação que Holanda faz quanto ao estilo literário de Manuel Bandeira que trazemos a ideia de subjetividade da morte nos veros de “Desesperança”.
Quando observamos a expressão “Quando a vida acabar e, astro apagado,” na terceira estrofe, não podemos deixar de inferir a aproximação da morte. Fazemos a analogia do entardecer, do por do sol como astro que apaga e a chegada da noite, que pode ser eterna, como a aproximação da morte, algo que nos é corroborado por HOLANDA, p.147:
tanto quanto o ritmo da agua a correr ou a cair, a noite também encerra um duplo significado simbólico, podendo ora trazer as ideias de simples repouso, de abrigo, de consolo, de libertação dos cuidados ou sofrimento da vida presente, ora a de descanso absoluto e eterno” (1980)
É nessa perspectiva que defendemos a ideia de morte presente na poesia de Manuel Bandeira, como algo presente subjetivamente na poesia “Desesperança”, contudo, é presente no eu lírico, como que o circunda, ou seja, como algo intrínseco ao contexto proximal poético: “de certo que o diálogo entre seu mundo íntimo e a vida circundante não pode ser definitivamente abolido com a supressão de uma personagem e a exaltação correspondente da outra” (HOLANDA, 1980).
2.2 A MORTE NA POESIA “A MORTE DO LEITEIRO” CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
A morte na poesia “A morte do leiteiro de Carlos Drummond de Andrade, publicada em A rosa do Povo em 1945, será analisada a partir dos aspectos de uma reflexão existencialista e de uma ótica de como a Morte está contextualizada neste escrito. Observaremos como este tema se situa se num contexto de proximidade ou distanciamento da realidade do autor ou de como ele usa o tema em suma para expor seu posicionamento a respeito da sua visão do mundo que o circunda. Observaremos até que ponto podemos inferir sobre “O sentimento, os acontecimentos, o espetáculo material e espiritual do mundo são tratados como se o poeta limitasse a registrá-lo, embora faça da maneira anticonvencional preconizada pelo modernismo”(CANDIDO) e como esses fatores corroboram para uma interpretação verdadeira e situada de como a morte transita e se aproxima ou se distancia do autor. De início defendemos o posicionamento de que a morte tratada e evidenciada na poesia “A morte do leiteiro” de Drummond, é posta e visualizada de maneira panorâmica, tudo isso baseado na perspectiva de que Drummond escreve suas poesias refletindo uma agitação do ser em relação ao cenário social, uma inquietude que transpassa a barreira do indivíduo e o meio onde ele está inserido, atingindo o produto do autor: a arte.
2.2.1 – Análise
Na primeira estrofe, inferimos uma visão panorâmica, através da qual o autor traça um retrato social em que no país há uma escassez não só de leite, mas que o leite nesse conotação  representa  tudo aquilo que alimenta e nutre o ser, ou seja, toda espécie de suprimento para manutenção da vida: agua, alimento e moradia. Todavia, nessa estrofe, ainda, observa-se uma tradição, de certa forma bárbara, de que ladrão se mata com tiro, algo que perdura até a contemporaneidade. Não podemos deixar de verificar, também, nessa primeira estrofe, que o ultimo verso desencadeia o que o título prediz, que será a morte do leiteiro se fazendo em consequência de uma tradição carregada de selvageria e de descrença na eficácia das leis de um país.
Na segunda estrofe, Drummond descreve de maneira subjetiva um cenário social mais generalizado na figuração da rotina do leiteiro, de como as classes sociais menos abastardas precisam acordar mais cedo para fazer a maquina social funcionar ou ainda de outra ótica, de como o meio urbano depende incondicionalmente de um bom funcionamento do sistema rural que prover toda sorte de suprimento para manter a vida nas cidades. É nessa produção de energia, que não cessa, mas que em nada é valorizado por quem a recebe. Mas o que é verificado é que não é apenas o leite (produto) que é entregue na cidade, porém é que é o melhor leite, o melhor produto, todavia, quando o autor aponta “leite bom para gente ruim”, inferimos que esta conotação dá-se pela não valoração que o beneficiado por este esforço deixa de atribuir ao produtor/transportador que não mede nenhum esforço para cumprir sua missão.
Na terceira estrofe, há a descrição do perfil social e intelectual do leiteiro, que de certa forma descreve um panorama social dos meados do século 20 de uma larga população agrária, analfabeta e que reflete a concentração de riqueza. A estrofe começa, nos primeiros quatros versos, fazendo uma abreviada descrição de como o leiteiro tem seu tempo comprimido pelas obrigações e que em consequência disso a ignorância o escraviza naquela conjuntura das relações de poder. Drummond retrata a força de trabalho no auge dos 21 anos de energia plena, mas que enfatiza a valoração, no contexto social, apenas da força de trabalho e reflete a cerca da falta de compreensão de mundo por este ator social.  “Assim o leiteiro fica a sob os domínios e a opressão das classes dominantes, é apenas um intruso fazendo sua obrigação” (JACOBY).
Na estrofe quatro, há algo diferente, Drummond adentra no contexto trazendo o eu lírico para caminhar junto com o leiteiro, isso se observa pela colocação dos verbos na primeira pessoa do plural, que também trás o leitor para caminhar junto com o leiteiro nos estreitos becos e isso se faz com ênfase as verbos imperativos, que mesmo com pressa esse leiteiro faz essa passagem com a delicadeza suficiente para não fazer barulho e não incomodar aqueles que ainda dormem. É observada, ainda, nos primeiros versos desta estrofe, a reafirmação da escassez do leite de cada dia, no trecho “que aspira ao pouco leite”.
Na estrofe cinco, Drummond já volta a posicionar-se panoramicamente na sua narrativa. Agora, ele passa a demonstrar traços de afetividade ao leiteiro, ou seja, passa a uma proximidade subjetiva: “meu leiteiro tão sutil”. Passa ainda a demonstrar, nesta estrofe, todo o zelo pela busca da sutileza em não fazer barulho, sempre o faz. Descreve todos os obstáculos possíveis na caminhada do jovem leiteiro e que mesmo com todo aquele esforço há sempre alguém que acorda. Assim, a batalha diária para entrega do mais puro leite é repleta de obstáculos e intempéries. Os versos de Drummond no inicio desta estrofe já nos trás a sensação de leveza que a colocação de colocação de palavras ditongadas em leiteiro e maneiro logo nas duas primeiras estrofes.
Já na estrofe seis, Drummond inicia com a conjunção adversativa “mas”. Segundo COCH (1995:35), “esse operador coloca em oposição argumentos orientados para conclusões contrárias”, quebrando todo o clima de sutileza da estrofe anterior, aquele “senhor que comumente acorda resmunga e torna a dormir” dessa vez não dormiria. Enquanto na estrofe cinco a sensação de sutiliza e de leveza, nesta estrofe parece comprimir o tempo, isso se verifica nos versos quatro e cinco: “o revolver da gaveta saltou para a sua mão”. E nessa compressão de tempo já se ouve tiros e o anúncio da morte do leiteiro. Podemos verificar a evidenciação da violência social que PEREIRA (2000:244) apontando que:
Havia na literatura da época uma tentativa de compreensão de uma realidade social dos excluídos como a tentativa de reação da classe média urbana às ameaças criadas pelas crescentes desigualdades sociais: Assalto, sequestro e assassinatos. Neste aspecto a ficcionalização literária da época pode ser compreendida como ressimbolização da emergente violenta realidade dos confrontos sociais no submundo das grandes cidades.
Na continuidade da análise observamos que mais uma vez há uma aproximação subjetiva do autor/eu lírico com a personagem principal: “liquidaram meu leiteiro”. A morte do leiteiro ou de uma anônimo, apenas uma peça na engrenagem social, apenas um ducto condutor de energia, apenas um desapercebido ser matutino. Quem se importaria? Quem reclamaria seu corpo? Tivera um plano para o futuro? “era tarde pra saber”.
Na estrofe sete, observa-se mais uma vez a colocação conjunção adversativa mas,  que abre a estrofe e que denota a mudança de cenário onde um cidadão acreditava está fazendo justiça e se depara com a morte de um inocente. Há o reflexo da mudança de sentido nos versos 4, 5 e 6: “bala que mata gatuno também serve para furtar a vida de nosso irmão”, nestes versos também é possível ver a mais uma vez a materialização do eu lírico no contexto narrativo. Observamos ainda a fuga do assassino expresso no verso “Quem quiser que chame médico,/ polícia não bota a mão/neste filho de meu pai”. Dos versos 10 ao 12 é sensível um afastamento de eu lírico e a retratação subjetiva dessa reação da classe média que PEREIRA (2000:244) reflete em seu escrito, isso se observa com o trecho “está salva propriedade”,  o que reflete a valoração da coisa em detrimento do ser. E é nessa perspectiva que a estrofe se encerra com os últimos versos iniciado mais uma vez com uma conjunção adversativa, prosseguindo com o abandono que o leiteiro recebeu e em consequência não poder mais exercer sua função, pois já não havia mais pressa nem mais produtos, já não havia mais tempo.
Na estrofe final, A garrafa estilhaça representa a o fim, a garrafa poderia apenas ter caído e derramado o leite, mas estava estilhaçada, sem condição conserto, sem jeito, sem  volta. Avida acabou. O leite que escorre e se mistura ao sangue, o leite que representa a continuidade e manutenção da vida e o sangue que ao circular nas veias também representaria vida, mas que ao jorrar, representa a morte. Ver-se o encontro do liquido da vida e o da morte. Quem tanto trouxe vida tem sua vida tirada por aquele a quem tanto alimentou. É o fim. É a morte comtemplada retratada desde sua origem.

2.2.2 – Contexto geral

No contexto geral observamos que a morte presente na poesia de Carlos Drummond de Andrade é algo distanciado do eu lírico, pois o autor observa panoramicamente o fato, retratando-o e descrevendo-o dentro de um contexto crítico social. ”O sentimento, os acontecimentos, o espetáculo material e espiritual do mundo são tratados como se o poeta limitasse a registrá-lo, embora faça da maneira anticonvencional preconizada pelo modernismo”. É assim que Antônio Cândido observa os traços poéticos presentes na escrita de Carlos Drummond de Andrade.
Podemos ver a morte aqui retratada na poesia “A morte do leiteiro” como o descontentamento com o paradigma social, a morte nesse contexto reflete o caminho que o autor entende que a sociedade, nos moldes apresentado, descamba para um desfecho não diferente do daquele encontrado pelo leiteiro, não por sua culpa, mas pelas relações de poder que o circunda e rege o paradigma social vigente. A morte aqui é vista não de um panorama individual, mas de um panorama social. É dessa forma que a poesia de Drummond se caracteriza, uma poesia de cunho social que se reflete também nessa perspectiva sobre o tema analisado na pesquisa: “a morte”.
3. – CONCLUSÃO
            No percurso analítico que traçamos para encontrar as respostas que pretendíamos, passou não só pelo processo de análise livre que fizemos, todavia, fora necessário leva em consideração a características particulares de cada autor, suas características universais e a escola literária a qual estão inseridos, nesse caso em particular, o modernismo. Observamos em Carlos Drummond de Andrade a poesia modernista narrativa e de caráter social onde o autor escreve, no caso de “A morte do leiteiro”, com uma perspicácia bastante singular. Faz nesta poesia um trajeto de participatividade evidenciada nos escritos analíticos no corpus do texto, onde ora o autor/eu lírico está presente, ora está como apenas observador. É desta forma que Drummond viaja e nos leva com ele por entre as linhas do seu escrito literário, analogicamente como um mamífero aquático que se alterna entre mergulhos e respiradas à superfície. Em Manuel Bandeira, poeta que possui um discurso prosaico de um estilo simples e direto. A poesia “Desesperança” é bem mais carregada de melancolia e de sofrimento, o eu lírico não deixa o contesto da poesia, está sempre imerso. A condição de enfermidade vivida pelo escritor parece borbulhar em sua poesia. A morte parece ser algo iminente, não é possível deixar de notar a nebulosidade que permeia a poesia “Desesperança”, o próprio título já aponta para essa leitura.
Não fechamos aqui a uma ortodoxia analítica, as poesias apresentadas podem ter variadas leituras. Contudo para a finalidade à que nos propomos analisar, elas nos proporcionaram uma verdadeira viagem entre as linhas de Drummond e Manuel Bandeira, viagem que nos fez conhecer um pouco mais, e mais de perto, como a tema morte foi tratado nas poesias em epígrafe.
REFERÊNCIAS:
HOLANDA, Sergio Buarque de. Trajetória de uma poesia. In, BRAYNER, Sônia (Org.). Manuel Bandeira. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira,  Brasília: INL, 1980, p. 142-157 (Coleção Fortuna Crítica)
ANDRADE, Carlos Drummond de. A Rosa do Povo. Rio de Janeiro. Record, 1945.
CANDIDO, Antônio. Inquietudes na poesia de Drummond. In:_____ Vário escritos. São Paulo: Duas cidade, 1995
BOSI, Alfredo. Pré-modernismo e modernismo: Carlos Drummond de Andrade. In:_____História Concisa da Literatura Brasileira. 41ª Ed. Cultrix.  São Paulo. 1994 pp. 344-348
CANDIDO, Antônio. Inquietudes na poesia de Drummond. In:_____ Vário escritos. São Paulo: Duas cidades, 1995
BOSI, Alfredo. Pré-modernismo e modernismo: Manuel Bandeira. In:_____História Concisa da Literatura Brasileira. 41ª Ed. Cultrix.  São Paulo. 1994 pp. 360-364
Disponível em <<http://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_Drummond_de_Andrade#Biografia>>, acessado em 12/04/2015
Disponível em << http://pt.wikipedia.org/wiki/Manuel_Bandeira#Biografia>> Acessado em 12/04/2015
JACOBY, Graziela Inês. Análise do Poema “A morte do Leiteiro” de Carlos Drummond de Andrade. Revista Ideia do curso de letras   Disponível em <<http://w3.ufsm.br/revistaideias/Artigos%20revista%2017%20em%20PDF/analise%20do%20poema.pdf>> acessado em 15/04/2015
APÊNDICES
1 – DESESPERANÇA – Manuel Bandeira
Esta manhã tem a tristeza de um crepúsculo.
Como dói um pesar em cada pensamento!
Ah, que penosa lassidão em cada músculo. . .
O silêncio é tão largo, é tão longo, é tão lento a
Que dá medo... O ar, parado, incomoda, angustia...
Dir-se-ia que anda no ar um mau pressentimento.
Assim deverá ser a natureza um dia,
Quando a vida acabar e, astro apagado,
Rodar sobre si mesma estéril e vazia.
O demônio sutil das nevroses enterra
A sua agulha de aço em meu crânio doído.
Ouço a morte chamar-me e esse apelo me aterra...
Minha respiração se faz como um gemido.
Já não entendo a vida, e se mais a aprofundo,
Mais a descompreendo e não lhe acho sentido.
Por onde alongue o meu olhar de moribundo,
Tudo a meus olhos toma um doloroso aspeto:
E erro assim repelido e estrangeiro no mundo.
Vejo nele a feição fria de um desafeto.
Temo a monotonia e apreendo a mudança.
Sinto que a minha vida é sem fim, sem objeto...
- Ah, como dói viver quando falta a esperança!
 Teresópolis, 1912.

2 – A MORTE DO LEITEIRO – Carlos Drummond de Andrade


Há pouco leite no país,
é preciso entregá-lo cedo.
Há muita sede no país,
é preciso entregá-lo cedo.
Há no país uma legenda,
que ladrão se mata com tiro.


Então o moço que é leiteiro
de madrugada com sua lata
sai correndo e distribuindo
leite bom para gente ruim.
Sua lata, suas garrafas
e seus sapatos de borracha
vão dizendo aos homens no sono
que alguém acordou cedinho
e veio do último subúrbio
trazer o leite mais frio
e mais alvo da melhor vaca
para todos criarem força
na luta brava da cidade.


Na mão a garrafa branca
não tem tempo de dizer
as coisas que lhe atribuo
nem o moço leiteiro ignaro.
morador na Rua Namur,
empregado no entreposto
Com 21 anos de idade,
sabe lá o que seja impulso
de humana compreensão.
E já que tem pressa, o corpo
vai deixando à beira das casas
uma apenas mercadoria.


E como a porta dos fundos
também escondesse gente
que aspira ao pouco de leite
disponível em nosso tempo,
avancemos por esse beco,
peguemos o corredor,
depositemos o litro…
Sem fazer barulho, é claro,
que barulho nada resolve.


Meu leiteiro tão sutil
de passo maneiro e leve,
antes desliza que marcha.
É certo que algum rumor
sempre se faz: passo errado,
vaso de flor no caminho,
cão latindo por princípio,
ou um gato quizilento.
E há sempre um senhor que acorda,
resmunga e torna a dormir.


Mas este entrou em pânico
(ladrões infestam o bairro),
não quis saber de mais nada.
O revólver da gaveta
saltou para sua mão.
Ladrão? se pega com tiro.
Os tiros na madrugada
liquidaram meu leiteiro.
Se era noivo, se era virgem,
se era alegre, se era bom,
não sei,
é tarde para saber.
Mas o homem perdeu o sono
de todo, e foge pra rua.
Meu Deus, matei um inocente.
Bala que mata gatuno
também serve pra furtar
a vida de nosso irmão.
Quem quiser que chame médico,
polícia não bota a mão
neste filho de meu pai.
Está salva a propriedade.
A noite geral prossegue,
a manhã custa a chegar,
mas o leiteiro
estatelado, ao relento,
perdeu a pressa que tinha.


Da garrafa estilhaçada.
no ladrilho já sereno
escorre uma coisa espessa
que é leite, sangue… não sei
Por entre objetos confusos,
mal redimidos da noite,
duas cores se procuram,
suavemente se tocam,
amorosamente se enlaçam,
formando um terceiro tom
a que chamamos aurora.

sábado, 2 de maio de 2015

Monge - por Claudio Lima



Água que vem do alto
Águia que ver ao longe
No alto da pedra encerro
Um mosteiro um homem, um monge.

Claustro em sua cela
Quem dera um cavaleiro
Lutando por sua a terra
Longe do seu mosteiro

Espadas que cortam e ferem
Suor sangue saliva amor
Fluidos que se misturam
Delírios desejos e dor

Mirei a presa mergulhei certeiro
Como o “huble” vi ao longe
Uma estrela supernova explode
Em galáxias desejos infames

Buraco negro que atrai
Como resistir se mesmo a luz
Vida que vem e que vai
Não escapa a sua cruz

A chuva que molha ao rosto
Que esconde as lágrimas
Lagrimas que deslizam no rosto
Fruto da dor que faz morto

O amor